Por Thiago Augusto Ferreira da Costa. Em colaboração com o site Ipstore.ind.br (10/11/2021)
“Cidade de muros” é um conceito criado por Teresa Pires do Rio Caldeira (2011), professora da Universidade de Berkeley, na Califórnia, Estados Unidos, originalmente publicado em inglês como City of walls. Esse termo relaciona a violência urbana e a sensação de medo com a segregação espacial e a discriminação social nos novos subúrbios de condomínios fechados das grandes cidades americanas, como São Paulo e Los Angeles. Segundo Caldeira, a “cidade de muros” seria construída em locais com sensação de insegurança e como forma de proteção: “os grupos que se sentem ameaçados com a ordem social que toma corpo nessas cidades, constroem enclaves fortificados para a sua residência, trabalho, lazer e consumo” (CALDEIRA, 2011, p. 9).
Assim entende-se que os processos sociais diversos envolvendo a violência urbana (incluídos os crimes e os acidentes de trânsito), além do medo da violência – mesmo que a causa seja um estereótipo, ou seja, uma criminalização da vizinhança por ser popular, ainda que não tenha taxas elevadas de crimes – podem dar origem às “cidades de muros”. São exemplos disso, muitos condomínios fechados, muitas torres comerciais e muitos shoppings centers, quando se fecham quase que completamente para o convívio com a rua, deixando-a sem iluminação e não deixam que o pedestre circule pelo seu entorno, ou mesmo não possibilitam uma caminhada segura ao seu redor, empobrecendo a paisagem. Dessa maneira, a via pública se torna exclusiva para os automóveis e um local bastante hostil para o pedestre, principalmente quando também é ignorado pelo poder público, que o deveria conservar.
No cenário brasileiro, a incerteza econômica e social, mesmo após a redemocratização do país – durante as décadas de 1980 e 1990 – e o aumento nos índices de crimes violentos, coincidiu com um expressivo processo de enclausuramento das classes média e alta em condomínios murados, vendidos como produto pelo mercado imobiliário (CALDEIRA, 2011). Esse estilo de produção do espaço tem como referência a cidade de São Paulo, mas se repete em outras Regiões Metropolitanas do Brasil, inclusive em Curitiba.
Nessa situação torna-se difícil estabelecer os princípios de acessibilidade universal. É o contrário do que ocorre nos bulevares haussmanianos de Paris, por exemplo, onde o indivíduo é anônimo, circula desatento e configura um espaço público aberto. Segundo Caldeira (2011), esses são os valores que estão condenados em muitas cidades brasileiras, onde o espaço público parou de seguir os ideais modernos acima citados, pois até mesmo o projeto desses locais expressa uma arquitetura defensiva. Tão protetiva que ignora o delito, que em si também pode ser muito influenciado pelo desenho urbano. Pesquisas realizadas pela Polícia Militar do Paraná (PMPR), entre 2003 e 2009, demonstram que, todas as vezes em que há criminalidade crônica em um determinado ponto do espaço urbano, o problema ali é da estrutura física do local, e não da ausência de policiamento (BONDARUK, 2009).
Sabe-se que a falta de segurança pública é um problema social complexo, ligado principalmente às condições socioeconômicas precárias, mas a prevenção situacional pode ser feita a partir da Arquitetura e do Urbanismo. A ocorrência de delitos, por exemplo, depende da trilogia: vítima/alvo, agente motivado e ambiente favorável (BONDARUK, 2009). Contribuindo para um ambiente urbano favorável ao crime, moradores de todas as classes sociais afirmam que mudam o seu cotidiano e erguem muros, ironicamente, a fim de se proteger (CALDEIRA, 2011).
Bondaruk (2009) sintetiza algumas soluções pertinentes, como a simples melhoria do acesso viário – cuja iniciativa torna-se fundamental à prevenção de acidentes – além de um campo de visão mais amplo e reto, que geram insegurança aos criminosos, pois, além de serem vistos facilmente, esse acesso deixa a chegada da polícia mais rápida e efetiva. A eliminação de becos, a melhoria da iluminação pública e privada, a remoção de obstáculos à visibilidade local, a melhoria do padrão das residências e a poda de árvores e arbustos, que geram esconderijos, também são soluções apresentadas.
Como resultado de um planejamento monofuncional das cidades, ruas cada vez mais vazias, monótonas, ameaçadoras e sem iluminação, foram criadas. “Quando as pessoas dizem que uma cidade, ou parte dela, é perigosa ou selvagem, querem dizer basicamente é que não se sentem seguras nas calçadas (...) e manter a segurança urbana é uma função fundamental das ruas” (JACOBS, 2011, p. 29 e 30).
Poucos casos de violência já podem deixar uma rua com um clima de insegurança, e as pessoas não vão mais querer passar por ali, embora sejam mais complexas as causas do crime. Então, sabendo que o problema da falta de segurança pública tem raízes profundas, tanto em cidades menores quanto em metrópoles, Jacobs (2011) concluiu que dispersar as pessoas (para áreas menos urbanizadas e, inevitavelmente, mal iluminadas, grifo nosso) não seria uma solução, pois isso apenas substituiria as características de cidade compacta por aquelas de subúrbio, de cidade difusa e com calçadas vazias.
Uma rua deve estar sempre disposta a receber desconhecidos, iluminada e munida de boa infraestrutura. São nesses aspectos que Jacobs (2011) se baseou para estabelecer três condições para o aumento da segurança, todas também citadas por Bondaruk (2009). A primeira delas, é uma nítida separação entre o que é público e o que é privado; a segunda, são os “olhos para a rua”, onde os moradores vigiam-se mutualmente e vigiam os estranhos, de forma a proteger a todos e; a terceira, é que as calçadas se mantenham sempre movimentadas por usuários, pois isso desperta o interesse dos moradores para que os observem.
Percebe-se que a vigilância é fundamental e a segurança é responsabilidade de todos, como preconiza a Constituição Federal de 1988. Jacobs (2011) associou, além do mais, como requisitos para a segurança, que haja um número de estabelecimentos comerciais e outros locais públicos ao longo das calçadas, que permitiriam a intensa atividade nos passeios. Em sua dissertação, Mariana Vivan (2012) concluiu que os moradores de uma amostra, em Florianópolis, que criaram muros cegos para se defender da rua, acabaram sofrendo com maiores índices de criminalidade, mesmo que intuitivamente as pessoas se sentissem mais seguras em espaços com baixa permeabilidade.
Bondaruk (2009, p. 25) citou o “problema complexo, resultante da urbanização não resolvida ou inadequadamente administrada”, inclusive sugerindo algumas soluções para mudar esse cenário, como maior infraestrutura, mais assistência social (principalmente aos jovens), mais iluminação, melhor paisagismo e combate aos vazios urbanos. Para Jacobs (2011), a diversidade de usos faz parte da vida humana. A autora concluiu que as maiores aglomerações urbanas geram a mistura de usos por excelência, visto que mais pessoas geram mais necessidades e, por consequência, mais usos aparecem. Jacobs (2011) ainda estabeleceu quatro condições para a diversidade das ruas. A primeira delas, que um distrito deve atender a mais de uma função, garantindo as pessoas nas ruas na maioria dos horários. A segunda, que as quadras devem ser curtas e bem iluminadas, a fim de dinamizar a circulação. A terceira, que deve haver uma mistura de edifícios de diferentes idades. Por fim, a quarta, que deve haver sempre uma alta densidade de pessoas nas ruas, principalmente daquelas que moram no local.
A Avenue de France, uma nova grande avenida de Paris, é um exemplo de como a iluminação e a diversidade dos usos é benéfica à segurança na cidade, ainda que a França tenha um contexto social bem diferente do Brasil. Essa nova avenida constitui a espinha dorsal da Operação Urbana Paris Rive Gauche (OUPRG), a qual concentra sua atuação em vários bairros do sudeste da capital francesa, segundo o site oficial da OUPRG (2016). Um espaço importante da via foi reservado aos pedestres e às bicicletas, que dispõem de largos passeios e um canteiro central plantado. Os ônibus circulam em via exclusiva nos dois sentidos.
O arquiteto coordenador, Paul Andreu, inspirou-se nos bulevares da própria Paris, analisando o que fazia com que fossem agradáveis ao público. Ele estudou os tipos de edifícios que poderiam estar ao longo da nova avenida, bem como a sua volumetria, seus gabaritos e a insolação, que se deixava passar por entre os prédios. Já a iluminação é mista: luminárias a onze metros de altura se alternam com aquelas para os pedestres, a quatro metros e meio. O arquiteto igualmente desenhou bancos simples e duplos, se alternando sobre o canteiro central.
Em suma, a iluminação das ruas, bem como outros fatores, dentre eles, a abertura de comércios e outras atividades que visem a circulação maior de pessoas nos espaços públicos, ao invés de muros e calçadas mal iluminadas, melhora a segurança pública pontualmente nos locais onde essas características são predominantes. Embora outros fatores socioeconômicos influenciem na segurança da cidade como um todo, é inegável que iluminação pode exercer um papel importante nas melhorias a curto prazo, para locais considerados problemáticos do ponto de vista da falta de segurança.
Obras Citadas
BONDARUK, Roberson L. "A Prevenção do crime através do desenho urbano". 2ª edição. Curitiba, 2009.
CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. "Cidade de muros": crime, segregação e cidadania em São Paulo. Tradução de Frank de Oliveira e Henrique Monteiro. 3ª ed. São Paulo: Edusp, 2011.
JACOBS, Jane. "Morte e vida de grandes cidades". Coleção A, São Paulo, WMF Martins Fontes, 2011.
OUPRG. "Opération Urbaine Paris-Rive-Gauche". Disponível em: http://www.parisrivegauche.com/Le-projet-urbain#:~:text=Couvrant%20une%20superficie%20de%20130,travaux%20haussmanniens%20du%2019%C3%A8me%20si%C3%A8cle. Acesso em: 10 nov. 2021.
VIVAN, Mariana. "Arquitetura, espaço público e criminalidade": relações entre o espaço construído e a segurança sob a ótica da intervisibilidade. Dissertação de mestrado do PPGAU-UFSC. Orientador: Renato Tibiriçá de Saboya. Florianópolis: UFSC, 2012.
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